O que
segue é uma síntese de minha comunicação de vinte minutos na VII
Jornada Tradufire, promovida pelo curso de pós-graduação em Língua
Inglesa: Metodologia da Tradução, realizada em 1º de dezembro
de 2018, na Faculdade Fafire. Espero poder despertar a reflexão no
leitor, assim como creio ter conseguido despertar na assistência do
evento. As notas de rodapé são informações adicionais. Antecipadamente, meus agradecimentos à Organização do evento.
Se lubrificar bem, a introdução via anal não é desconfortável.¹
Segundo Maingueneau
(2004 apud BRANDÃO, 2018), é preciso adequar a linguagem à
situação em que está se falando para obter sucesso na comunicação.
Um enunciado apenas manterá o sentido no contexto em que é
produzido, podendo ser interpretado de maneiras diferentes quando
proferidas fora de seu contexto original. (KLEIMAN, 1997; KOCH, 2000)
A sentença em destaque acima pode causar desconforto aos ouvidos de
alguns, mas, se tivermos ciência de que se trata de um enunciando
extraído de um artigo de medicina, descobriremos que é inteiramente
inofensiva.
Sobre a tradução,
sabemos que sem ela as relações humanas estariam comprometidas em
face da numerosidade de línguas (um total de 7.099 até o ano de
2018, algumas das quais são faladas apenas por algumas dezenas de
pessoas). (SIMONS & CHARLES, 2018) Assim, visto que a tradução,
até certo ponto, consiste no transporte de mensagens de uma
linguagem a outra (quando de sua transformação), que função ela
exerce na formação de sujeitos ideológicos cuja leitura só é
possível através dela?
Lambert (2011) chama
atenção para o caráter ideológico quando aponta primeiramente
para a resistência de tradutores de fugirem à regra de seguir
tendências institucionais adquiridas ao longo de suas trajetórias
acadêmicas, comprometendo, assim, a qualidade da tradução quando
expostos a uma diversidade de textos imprevisíveis. Uma vez que a
interpretação seguida do ato recriativo na/da tradução conferem
ao profissional a função de coautor, é questionável sobre como
pode a fidelidade coexistir na construção dos sentidos desde o
codificador até o decodificador da mensagem, já que esta construção
se realiza não somente por aquele que produz o texto, mas também
por quem o recebe (o leitor). (KOCH, 2000) Assim, a tradução é
passível de estudos enquanto prática formativa, pois ela é o
caminho dessa formação.
Segundo Hermans
(2009), trabalhos tradicionais acerca da tradução não se preocupam
com questões político-ideológicas na escolha do tradutor. A partir
da década de 1980, busca-se pela contextualização da tradução e
considera o tradutor como sujeito ético e social. Na década de
1990, a análise do discurso ganha proeminência nos estudos da
tradução, aproximando-se dos avanços da linguística aplicada.
(MUNDAY, 2016) Mas, o que são textos sensíveis, afinal, e como se
relacionam com questões ideológicas?
Embora seus estudos
tenham se desenvolvido predominantemente em torno da literatura
sacra, um texto sensível pode ser, segundo Simms (1997 apud
GOHN, 2001), todo aquele que, de alguma forma, é capaz de moldar
sutilmente (?) a vida de muitas pessoas, desde bulas a manifestos.
Uma bula mal traduzida, por exemplo, põe em risco a integridade
física de alguém. Um manifesto mexe com a integridade intelectual e
leva a novas práticas sociais e discursivas.
Preocupante é que a
tradução torna-se a própria obra para aqueles que não são
capazes de ler o original. No tocante à literatura, em peças
teatrais, por exemplo, para Lefevere (2007, p. 75), o que interessa
“é o ‘simples’ fato de que a interpretação se torna, de
forma bastante literal, a própria peça, para aqueles incapazes de
ler o original ou, em outras palavras, que a tradução projeta uma
imagem da peça a serviço de determinadas ideologias.” O que dizer
de textos sacros traduzidos que regem a vida de bilhões de pessoas
no mundo inteiro? São exemplos comuns de textos sensíveis: a Torá
(para os judeus), a Bíblia (para os cristãos),² os Vedas (para os
hindus), o Cânon dos Três Cestos (para os budistas), o Evangelho
Segundo o Espiritismo (para os kardecistas) etc.³
De acordo com Bakhtin
(1987 apud BERGMANN & LISBOA, 2008, p. 49), “A língua
não serve a uma subjetividade individual, as palavras não são
neutras, ao contrário, estão sempre imbuídas de evocações do
outro. O discurso se constrói na interação com o outro”.
Portanto, os discursos traduzidos passam por, pelo menos, três
agentes/sujeitos da construção dos sentidos: autor, tradutor e
leitor, que constituem as vozes do discurso (polifonia) e a
intertextualidade.
A tradução é uma
relação tríplice que não pode ser invisibilizada diante da
formação ideológica que se faz através do [supostamente] simples
ato de ler.
NOTAS
¹ Neste momento, muitas pessoas no
auditório ficaram boquiabertas ao me verem fazendo esta citação,
ainda que eu tenha dito “abre aspas” e “fecha aspas”. Mas acho que, involuntariamente, fiz uns gestos que contribuíram para a má (?) interpretação.
² A tradução de João 1:1 e a
inserção ou não do nome YHWH na tradução, por exemplo, emergem
debates ora linguisticamente apaixonantes, ora delirantemente
desnecessárias para qualquer que seja a instância da tradução.
São nesses momentos que percebemos a sensibilidade de um texto e a
insensibilidade ou indiferença de um tradutor para com escritor e
leitor.
³ Citei meu questionamento acerca d’O
Livro de Mórmon. Seria ele um texto sensível? Não. Visto que a sua
tradução é realizada exclusivamente por A Igreja de Jesus Cristo
dos Santos dos Últimos Dias, ele não cai no âmbito do debate
ideológico por não haver traduções que se contradigam, mesmo que,
de alguma forma, esteja moldando aspectos da vida de um certo número de
pessoas.
REFERÊNCIAS
ARROJO, Rosemary. Tradução,
desconstrução e psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1993.
BERGMANN, Juliana Cristina Faggion;
LISBOA, Maria Fernanda Araújo. Teoria e prática da tradução.
Coleção Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa e Estrangeira,
v. 7. Curitiba: Ibpex, 2008.
BRANDÃO, Helena Hathsue Nagamine.
Analisando o discurso: Na ciência da linguagem, o termo
“discurso” vai muito além daquele feito pelos políticos. MUSEU
DA LÍNGUA PORTUGUESA, 2018. Disponível em:
<http://museudalinguaportuguesa.org.br/wp-content/uploads/2017/09/Analisando-o-discurso.pdf>.
Acesso em: 2 jan. 2018, às 2:40.
DUCROT, Oswald; TODOROV, Tzvetan.
Dicionário das Ciências da Linguagem. 5. ed. Lisboa: Publicações
Dom Quixote, 1978.
GOHN, Carlos Alberto. Pesquisas em
torno de textos sensíveis. In: PAGANO, Adriana Silvina
(Org.). Metodologias de pesquisa
em tradução. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da
UFMG, 2001, p. 147-170.
HERMANS, Theo. Translation, Ethics,
Politics. In: MUNDAY, Jeremy (Org.). The Routledge
Companion to Translation Studies. Nova York: Routledge, 2009, p.
93-105.
KLEIMAN, Angela. Texto e leitor:
Aspectos Cognitivos da Leitura. 5. ed. Campinas: Pontes, 1997.
KOCH, Ingedore Villaça. O texto e a
construção dos sentidos. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2000.
LAMBERT, José. Literatura &
tradução. Organização: Andréia Guerini, Marie-Hélène
Catherine Torres e Walter Costa. Rio de Janeiro: 7Letras, 2011.
LEFEVERE, André. Tradução,
reescrita e manipulação da fama literária. Tradução de:
Claudia Matos Seligmann. Bauru, SP: Edusc, 2007.
MUNDAY, Jeremy. Introducing
Translation Studies: Theories and applications. 4. ed. Nova York:
Routledge, 2016.
SIMONS, Gary F.; CHARLES D. Fennig
(Orgs.). How many languages are there in the world? In:
Ethnologue: Languages of the World. 21. ed. Dallas, Texas: SIL
International, 2018. Disponível em:
<https://www.ethnologue.com/guides/how-many-languages>. Acesso
em: 10 set. 2018, às 19:52.
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