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Blues Fúnebre, de W. H. Auden (1907-1973)

Desliguem o telefone, parem todos os relógios,
Previnam o cachorro de latir com suculentos ossos,
Silenciem os pianos e com tambores abafados
Tragam o caixão, façam entrar os enlutados.

Deixem os aviões circularem ao alto com choro
Rabiscando no céu “Ele está Morto”.
Nas pombas fúnebres ponham gravatas em seus pescoços brancos,
Luvas pretas de algodão deixem usar os policiais de trânsito.

Ele era meu Norte, meu Sul, meu Leste e Oeste,
Minha semana de trabalho e meu domingo cipreste,
Meu meio-dia, minha meia-noite, minha canção e meu diálogo;
Eu pensava que o amor duraria para sempre: mas estava errado.

As estrelas não são mais desejáveis; apaguem uma a uma;
Desmanchem o sol, derrubem a lua,
Sequem o oceano e devastem a floresta;
Nada mais do que vier interessa.

Neste poema de versos AABB, o locutor que não é identificado (gênero desconhecido¹) lamenta a morte de alguém muito amado (talvez um filho, um irmão, amigo ou companheiro). Um contraste muito grande entre o silêncio requerido e o chamado dos tambores se faz presente na primeira estrofe: ao mesmo tempo em que se exige silêncio dos convidados, do piano e até do cachorro, o locutor pede que seja notório a evocação que os tambores fazem aos enlutados para que participem da cerimônia de sepultamento do defunto.
Na segunda estrofe, Auden apresenta-nos um sujeito que faz ressoar sua perda para toda a cidade (o mundo, diríamos) com pombas e pompas fúnebres. Ele grita para o mundo a dor de sua perda e ilustra isso na terceira estrofe ao assumir a representatividade que o morto tinha em todas as esferas de sua vida. Revela também a desilusão de saber que o amor não dura para sempre, nem mesmo nos poemas. Com isso, nada mais lhe é desejável e todas as outras belas coisas (as estrelas, o sol, a lua etc.)² agora podem deixar de existir.

Notas
¹ O gênero masculino no último verso da terceira estrofe é meramente uma escolha tradutológica.
² Seria a primeira grande coisa bela o seu ente?

______
Reprodução permitida para propósitos educacionais desde que citado o tradutor e este blog. Veja o poema original em: https://allpoetry.com/Funeral-Blues.

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