Existimos em três direções no tempo. |
Gostaria
de compartilhar minhas angústias com alguém.
Assim, dedico estes
parágrafos a Thayná Deivilla e André Nascimento.
Certa
vez, comprei uma camisa polo com a seguinte inscrição na frente:
“trust
that an
ending is followed
by a
beginning”
(isto
é, “acredite que um
fim é seguido
de um
começo”). Dias depois, experienciei perdas que, naquela época,
pareciam irreversíveis e de uma dor que jamais seria capaz de
controlar. Perdi pessoas, amizades que juraria levar para a vida
inteira. Mas, como a música diz, até mesmo o “‘pra sempre’
sempre acaba”. Hoje, percebo que tudo o que se vai é como se
tivéssemos acertado as contas com aquelas coisas
ou aquelas pessoas, ‘finalizado uma missão’. Na vida, nada é
para sempre e o significado mais vivo das coisas estão no hoje, no
momento exato em que vos falo. Ao dar as costas para fazer o meu
caminho de volta para casa, eu vivo um outro instante munido de novos
significados e deixo para trás outras coisas, outras pessoas, outros
caminhos e outros significados que jamais serei capaz de
compreendê-los completamente, mas apenas senti-los sem ter a mínima
capacidade de os descrever com exatidão porque são rápidos e logo
perdem o significado que anteriormente gostaria de explanar, visto
que o
senti. É como se encerrássemos um ciclo de atividades que devem ser
cumpridas e, ao terminar, avançamos mais algumas etapas com outras
atividades nem sempre tão fáceis de se cumprir.
Quando criança, ainda que criança, sendo apenas um pequeno adulto
que pensava sobre as poucas coisas que vivia, perguntava a mim mesmo
como eu poderia existir e minha consciência, como algo racional,
estar em mim senão em outro. Eu indagava:
Existem outros que também pensam?
– Não
se tratava de pensar as mesmas coisas, mas pensar de igual forma.
Por que eu tinha que estar aqui e não em outro lugar no mundo?
– Isto
é, por que nasci aqui?
Por que nasci nesta família?
– Eu
me sentia diferente e, vez por outra, pressupunha que fosse adotado.
Como são a rotina e os relacionamentos em outros lares
familiares?
O que as outras pessoas pensam?
Para onde vamos quando morremos?
– Eu
acreditava que simplesmente deixávamos de existir.
Não exatamente com estas palavras de adulto, mas com o modo de
pensar de uma criança, eu refletia sobre a coexistência da vida.
Costumeiramente, as crianças questionam os adultos por não terem
respostas satisfatórias para as perguntas de crianças, da linguagem
e do mundo fantástico da criança (hesito dizer “infantis”). Mas
eu era uma criança fantástica que ocultava sua fantasia e fazia
perguntas de adultos que os adultos não sabiam responder. Neste
momento, eu não sei exatamente o que o leitor está pensando sobre
mim, mas você, neste momento, sabe o que o meu presente está
dizendo a partir do momento em que, pela escrita, o conto quando já
virou passado. O que escrevo, também já escrevi, e é provável que
ainda escreverei. Existimos nas três direções (talvez, eu ainda
olhe para frente com um pensamento de criança com receio de me
tornar o homem que não sabe responder perguntas de adultos
elaboradas por uma criança). E tudo era tão pacato na minha
existência…
Com certeza, evoluímos e encontramos novas perguntas, assim como
novas respostas. A dinamicidade da vida põe em risco toda “verdade
absoluta”, sendo apenas ela o poder que rege nossa existência
enquanto toneladas de pó de estrelas espalhadas pelo universo. E,
assim, continuamos em constante busca pelos significados “d’o
tudo” – ou, poderia eu dizer, “d’o efêmero” (estou tendo
uma crise existencial desde que me tornei adulto e agora não há
como voltar atrás).
Hoje, eu “indago” por que gosto desta palavra, então não direi
“questiono”, sobre como é ser feliz. Já sabemos que todos
pensamos (racionalmente ou não, mas sim), compreendemos a história
da humanidade e as grandes migrações, aceitamos nossa família com
poucos questionamentos, conhecemos outros lares e sabemos que as
pessoas também têm suas preocupações, sejam elas fúteis ou não,
mas por coisas que parecem dar sentido às suas vidas. Após a morte,
sabemos que viraremos pó ou, de um ponto de vista mais otimista,
elementos da natureza. Mas o que não sabemos é se somos felizes e
tento ainda dizer que a felicidade é uma coisa relativa: “Se a
felicidade é aquilo que me dizem, então eu tenho andado um pouco
triste com a minha felicidade”, disse Walter sentado numa mesa de
bar.
Quando cresci, perdi todo o encanto que cultivava pelo amor. Mas
escolhemos recomeçar quando deixamos de olhar para trás com
lágrimas nos olhos e dele tiramos lições para que não incorramos
de cair nos mesmos erros novamente. Isto é recomeçar e dar um novo
significado para o erro que ficou pra trás e passar a chamá-lo pelo
nome de lição. Amemo-nos primeiro para que não nos seja dado menos
do que aquilo que nós mesmos podemos nos oferecer. Assim, não
precisaremos buscar em outro algo que seja supérfluo para o
suprimento de nossa velha necessidade de se sentir amado.
O tempo passa e aquilo que julgamos ser a nossa felicidade vai-se
embora com as coisas ou com as pessoas que cremos ter sido parte
essencial de nossas efêmeras existências. Na vida, os significados
se perdem, tomamos outros caminhos quebrando com os planejados e
alcançamos novos significados para o que ficou pra trás, muitas
vezes, restando apenas medo, insegurança, desafeto, tristeza, rancor
e uma infindável sequência de sentimentos que se transformaram ao
longo da efemeridade dos nossos dias. E descobri, através de perdas,
que todo fim é um novo recomeço. Depois de grande, aprendi que a
felicidade e o sentido da vida são uma construção sem fim que se
realiza no dia a dia através dos significados que atribuímos às
coisas e às pessoas pelas quais lutamos.
O contrário também é uma verdade. Tudo está passando de modo tão
efêmero que este mesmo tudo o que eu disse pode já não ser. Todo
fim de ciclo é marcado por um novo recomeço. Vivemos em três
direções no tempo que só podem valer a pena se os nossos
significados não forem assim tão passageiros.
Cântico VI
Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acaba todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.
Fonte: MEIRELES, Cecília. Cântico IV.
In:
Dois Cânticos e
uma Canção.
PROJETO RELEITURAS, 2018. Disponível em:
<http://www.releituras.com/cmeireles_doiscanticos.asp>. Acesso
em: 12 jan. 2018, às 02:21.
Comentários
Postar um comentário
Contribua com um comentário.