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Pagu e Chimamanda Adichie – similitudes entre a ficção e a realidade

Com a honrosa coautoria de:
André Nascimento e Marília Pereira

A mulher sempre esteve presente na sociedade,  mas nem sempre
é bem-vinda em situações que requerem o uso das faculdades mentais.
Em 1933, Patrícia Galvão (1910, São João da Boa Vista/SP – 1962), sob o pseudônimo Mara Lobo, lançava o livro Parque Industrial, o primeiro romance proletário da literatura brasileira. Na obra, Patrícia Galvão (ou: Pagu, seu nome artístico), que integrou o Movimento Modernista, discorre sobre o ingresso da mulher paulistana no mercado de trabalho através das fábricas no Brás (Distrito de São Paulo) face ao cenário político da Revolução de 1930 e sua opressão às classes desfavorecidas. Em meio àquilo que pareceria um momento de fuga da figura da mulher dos lares abusivos nos quais desempenhara apenas o papel de subserviência à família, o trabalho operário soa como uma macrorreprodução deste tipo de relação (na verdade, é exatamente o inverso – o núcleo familiar reproduzindo o grande cenário da sociedade).
Na luta pelos direitos da classe operária, a mulher é também explorada de diversas maneiras, como pelo desrespeito, abusos sexuais dos patrões e sobrecarga de horário de trabalho, entre outros, ao passo que se envolve com as lutas sindicais. A mulher, como não era detentora de direitos no contexto que emerge o enredo, faz com que a obra torne-se, também, um discurso pelas lutas de gênero e de classe.
Alves & Pitanguy (1985, p. 36, 37, colchetes inseridos), em sua obra O que é Feminismo, explanam que:

No século XIX, a consolidação do sistema capitalista [trouxe] conseqüências profundas tanto para o processo produtivo quanto para a organização do trabalho como um todo, e para a mão-de-obra feminina, em especial. O sistema de produção manufatureira e, posteriormente, fabril, o desenvolvimento tecnológico e a introdução cada vez mais significativa da maquinaria, vão afetar o trabalho feminino, transferindo para as fábricas tarefas antes executadas a domicílio, e aumentando enormemente o contingente feminino da mão-de-obra operária.

Obra feminista no âmbito de uma literatura que ainda amadurecia ideias de igualdade entre homens e mulheres (SOUSA, 2012), o romance Parque Industrial não foi aceito de imediato, mas o seu discurso denunciatório granjeou aprovação ao longo dos anos. De fato, o feminismo ainda é um tabu dentro e fora da ficção.
Chimamanda Ngozi Adichie (1977-), em sua palestra ao TEDxEuston em dezembro de 2012 intitulada We Should All Be Feminists, trata justamente sobre a relação mulher e sociedade, não apenas na Nigéria, seu país, mas numa escala global. O discurso que se tornou o livro lançado no Brasil em 2015 (“Sejamos todos feministas”) lança luz sobre situações cotidianas que colocam a mulher em posição de inferioridade simplesmente por ser mulher e o homem em local de superioridade, destaque, privilégio simplesmente por ser homem. A escritora relata certo evento ao sair com seu amigo Louis à noite:

Impressionada com o empenho do sujeito que descolou uma vaga para nós naquela noite, decidi lhe dar uma gorjeta. Abri a bolsa, peguei o dinheiro e lhe dei. E ele, feliz e grato, pegou o meu dinheiro, olhou para o meu amigo e disse: “Muito obrigado, senhor!” Surpreso, Louis me perguntou: “Por que ele está me agradecendo? Não fui eu quem deu o dinheiro”. […] Para o flanelinha, qualquer dinheiro que eu pudesse ter certamente provinha de Louis. Porque Louis é homem. (ADICHIE, 2015, p. 19)

Em outra ocasião, Chimamanda Adichie relata que precisou apresentar documentos e responder diversas perguntas ao chegar a um hotel e comprovar que, de fato, estava hospedada naquele lugar. O segurança “automaticamente supôs que uma mulher nigeriana e desacompanhada só podia ser prostituta. Uma nigeriana desacompanhada não pode ser hóspede e pagar por seu quarto. Um homem pode entrar no mesmo hotel sem ser perturbado.” (Id., p. 22)
Segundo o Dicio: Dicionário On-line de Português, dentre outras definições básicas, “feminismo” é a “Ideologia que defende a igualdade, em todos os aspectos (social, político, econômico), entre homens e mulheres.” (7GRAUS, 2017) Contudo, Adichie considera a definição dos dicionários por demais limitadas, ainda mais quando a palavra “feminismo” traz consigo um peso negativo imposto pela sociedade patriarcal. Assim, ela dá a sua própria definição de feminismo: “A meu ver, feminista é o homem ou a mulher que diz: ‘Sim, existe um problema de gênero ainda hoje e temos que resolvê-lo, temos que melhorar’.” A escritora desmitifica ainda a ideia que apenas mulheres podem ser feministas: “O melhor feminista que conheço é meu irmão Kenny. Ele também é um homem gentil, bonito e amável, e ele é muito masculino.” (ADICHIE, TEDXEUSTON, 12/04/2013)
Tanto Parque Industrial (ainda que ficção, mas exercendo plenamente um dos papéis da literatura – a denúncia, pois a literatura tem essa capacidade “de confirmar a humanidade do homem”) (CANDIDO, 2012, p. 1) quanto Sejamos Todos Feministas apontam para os problemas de gênero nas sociedades de culturas patriarcais que se originaram no passado, quando a força física era um fator decisivo para a sobrevivência. (ADICHIE, 2015) A mulher sempre esteve fisicamente presente na sociedade, mas ela não é sempre bem-vinda em funções e atividades que requerem o uso de faculdades mentais, e isso inclui a literatura, como diz Adichie (Id., p. 20) retomando as palavras da já falecida nigeriana Wangari Maathai, que recebeu o Prêmio Nobel da Paz: “quanto mais perto do topo chegamos, menos mulheres encontramos.”

Assista ao discurso de Chimamanda Adichie:

 
Trabalho solicitado pelo Prof. Mestre Bruno Piffardini para a disciplina de Tópicos Especiais de Literatura, para o oitavo período do curso de Letras da Faculdade Frassinetti do Recife – FAFIRE.

Referências
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Sejamos todos feministas. Tradução de: Christina Baum. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
______. We should all be feminists. [YouTube] Canal TEDx Talks. Tradução de: Ivana Korom. Em inglês, legendado, cor, 30 min. Disponível em: <https://youtu.be/hg3umXU_qWc>. Acesso em: 07 dez. 2017, às 14:30.
ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O que é Feminismo. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense, 1985.
CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. Remate de Males, Campinas, SP, dez. 2012. ISSN 2316-5758. Disponível em: <https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/remate/article/view/8635992>. Acesso em: 29 dez. 2017, às 23:13.
GALVÃO, Patrícia. Parque Industrial. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.
SOUSA, Luciana Oliveira. Parque Industrial – a literatura feminina engajada de Patrícia Galvão/Pagu. dEsEnrEdoS, ano IV, n. 13, Teresina/PI, abr., mai., jun./2012.
WIKIPÉDIA. Chimamanda Ngozi Adichie. WIKIPÉDIA, 2017. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Chimamanda_Ngozi_Adichie>. Acesso em: 28 dez. 2017, às 23:48.
______. Pagu. WIKIPÉDIA, 2017. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Pagu>. Acesso em: 28 dez. 2017, às 23:49.
7GRAUS. Feminismo. In: Dicio: Dicionário Online de Português. Disponível em: <https://www.dicio.com.br/feminismo/>. Acesso em: 10 dez. 2017, às 14:11.

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