A manga jasmim é um
dos melhores frutos que Itamaracá, no Litoral Norte de Pernambuco,
pode oferecer. Há ainda quem diga que Itamaracá é a capital da
manga, além da ciranda. E a manga jasmim encontra-se apenas em
Itamaracá.
Conta o povo (e registram os livros) que, em
1631, quando Pernambuco estava sob o domínio holandês, certa moça
de 15 primaveras chamada Sancha Coutinho, filha do Sr. João Paulo
Vaz Coutinho, vivia na Capitania de Itamaracá, mais especificamente
no Engenho Andirobeira, que, dizem, ficava em algum lugar entre
Olinda e Igarassu. Isolada do mundo e conhecendo apenas o amor
paterno, fora encontrada por um jovem que viera da Paraíba para aqui
morar chamado Antônio Homem Saldanha e Albuquerque, que despertou na
moça o sentimento até outrora desconhecido. Mas o preconceito
social não deixou que seu pai permitisse o namoro: o jovem Antônio
Saldanha e Albuquerque era pobre.
Revoltado,
Albuquerque lançou-se na guerra contra os holandeses para que viesse
a se tornar digno da mão da donzela através da glória que ganharia
nas batalhas. Em 9 de dezembro de 1631, desembarca na Paraíba,
próximo ao Forte de Santa Catarina do Cabedelo, que ainda existe. E
Albuquerque lutou. Defendeu até o Arraial de Bom Jesus.
Dois anos mais tarde,
chegou a notícia de que, em 24 de março do ano seguinte,
Albuquerque havia sido ferido por uma bala e caído num combate
contra os holandeses. Já em 1646, Dona Sancha Coutinho, que passara
a viver com o irmão Nuno, em Itamaracá, já não tinha mais
esperanças, pois havia lhe chegado também a notícia da morte de
Antônio Homem Saldanha e Albuquerque naquela batalha. Lá, na Ilha
de Itamaracá, ainda sofria, como diz José Lopes, “os agrores da
sorte que lhe tinha roubado a sua única felicidade.” E continua:
Em um dia, entregue às suas recordações, pois só vivia do
passado, chega em sua porta o padre Ayres Ivo Correia, que vinha de
Roma, trazendo relíquias santas.
D. Sancha Coutinho lança suas vistas sobre o sacerdote e,
subitamente, é fulminada pela morte.
O padre Ayres Ivo Coutinho [sic.]
era o mesmo Antônio Homem Saldanha e Albuquerque.
“Intenso abalo a matara,
Não pôde o peito com tanto;
E o padre Ivo, de giolhos (joelhos),
Banha o cadáver com pranto.”
José Lopes (1987, p. 63, parênteses inseridos).
O jovem havia
sobrevivido e, por não ter mais condições de lutar, decidiu se
tornar padre, assim tendemos a acreditar. Padre Ayres plantou uma
mangueira sobre a sepultura de Dona Sancha, de onde se originaram as
belas mangas-jasmim, doces e perfumadas, que só existem na Ilha de
Itamaracá.
A poética de Sancha Coutinho
A poética inspirou
um drama lírico em quatro atos, escrito no Rio de Janeiro por Luiz
Vicente de Simoni (1792, Gênova – 1881, Rio de Janeiro) em 1854 e
que recebeu o título Marília de Itamaracá ou A Donzela da
Mangueira. Musicalizada pelo músico alemão Adolpho Maersch em
1883, o mesmo que deu música ao poema Canção do Exílio
(Gonçalves Dias), a peça é considerada por alguns como a primeira
ópera nacionalista do Brasil (KÜHL, 2016):
A trama do libreto de De-Simoni é complexa e longa, pois envolve
três épocas distintas: a primeira, quando Marília e Fernando se
conhecem e se apaixonam, mas não podem viver seu amor; a segunda,
com a guerra de reconquista; a terceira, quando Fernando tornou-se
padre jesuíta e sonha com Marília. Os amantes finalmente se
reencontram, mas Marília morre depois de reconhecer Fernando, que
supostamente estava morto. Diz a lenda que Fernando plantou a semente
de uma manga na sepultura da amada, e assim teria surgido a famosa
manga da ilha de Itamaracá. A ópera tem quatro atos, mais um “ato
intermédio”, três localidades e um arco temporal de 23 anos. É
tamanha a complexidade do que De-Simoni tentou construir que, nas
últimas páginas do libreto, o autor apresenta um anexo com
“explicação e observações acerca das personagens do drama
lírico Marilia de Itamaracá, dos caracteres que lhes são próprios,
e do espírito com que foram ideados, e postos em cena” (De-Simoni
1854, 199-212). É, de um lado, um complemento ao pequeno prefácio
que havia escrito para a obra, no qual o autor tratou de questões
poéticas da escrita de libretos em português; de outro, é uma
tentativa de conferir certo rigor histórico ao argumento da obra.
(KÜHL, 2016, p. 119)
Na obra Histórias
e Segredos de uma Ilha, de José Lopes (1987), há ainda um poema
de José Soares de Azevedo intitulado As Mangas de Itamaracá,
dividido em três partes. Câmara Cascudo (MEMÓRIA VIVA DE CÂMARA
CASCUDO, 2017), em seu livro Lendas Brasileiras, também narra
a triste história. Roberto Beltrão & Rúbia Lóssio (2016)
lançaram o livro Almanaque Pernambucano dos Causos,
Mal-assombrados e Lorotas, no qual consta O amor que virou
fruta.
A lenda também é
mencionada na obra clássica da literatura brasileira, Macunaíma,
de Mário de Andrade (2017, p. 40), publicado originalmente em 1928:
Em Itamaracá Macunaíma passou um pouco folgado e teve tempo de
comer uma dúzia de manga-jasmim que nasceu do corpo de dona Sancha,
dizem.
Referências
ANDRADE, Mário de. Macunaíma:
o herói sem nenhum caráter. Brasília: Câmara dos Deputados,
Edições Câmara, 2017.
BELTRÃO, Roberto; LÓSSIO, Rúbia. O
amor que virou fruta. In: Almanaque Pernambucano dos
Causos, Mal-assombrados e Lorotas. Recife: Fundação Joaquim
Nabuco, 2016, p. 88-90.
CASCUDO, Câmara. Mangas Jasmim de
Itamaracá. Memória Viva Câmara Cascudo, 2017. Disponível
em: <http://www.memoriaviva.com.br/cascudo/mangas.htm>. Acesso
em: 21 mai. 2017, às 14:12.
KÜHL, Paulo M. Construindo o Nacional
na Ópera: A Marília de Itamaracá de L. V. De-Simoni. Resonancias,
v. 20, n. 39, jul./nov. 2016, p. 113-135.
LOPES, José. A Marília de Itamaracá:
Sancha Coutinho. In: Histórias e segredos de uma ilha.
2. ed. rev. e aum. Recife: Fundarpe, 1987, p. 62, 69.
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