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Amar-se ou amar outra pessoa?


Amar (assim como odiar) é inerente ao ser humano. Mas a gente busca no amor a fonte de usufruto da felicidade e, ainda assim, se desaponta. A busca pela felicidade no amor ao outro é o outdoor de boas vindas da Cidade do Esquecimento. As pessoas (ou, pelo menos, grande parte delas) são como imagens compostas de filtros.
Sigmund Freud, psicanalista do século XIX, realizou vários estudos e trouxe várias descobertas sobre a mente e o comportamento humanos. Quando amamos, por exemplo, aplicamos em nossa mente uma espécie de filtro seletivo que nos permite ver apenas as boas qualidades da pessoa por quem nos apaixonamos ou, ainda, inserir “filtros” criando uma imagem deturpada da realidade por que pegou a gente pela mão, enviou músicas para o nosso chat, cantou ao telefone e fez nosso coração bater pertinho ao seu num abraço quase ad aeternum. Dedicamos poemas, falamos belas palavras sem nenhum texto previamente organizado e discordamos se ela diz “Eu não mereço tudo isso!” Então, algo acontece e a pessoa que acreditamos amar finalmente declara: “Eu amo outra pessoa.” Os filtros se dissipam e a imagem real, aquela nua e crua que não enxergávamos desde a primeira curtida, aparece tão forte quanto a intensidade da chegada demonstrando, assim, que ‘não merece tudo isso’.
Acertamos na vida quando aprendemos que nem todos são aquele mar profundo, mas um corpo raso no qual jamais devemos mergulhar profundamente. “Amar” não é uma dádiva de todos, mas fazer-se de idiota é um dom quase universal. Os idiotas, ou pessoas covardes, não construíram o sentimento. Eles dizem “eu amo outra pessoa”, mas jamais compreenderam o que é estar junto mesmo quando não se tem o que falar e, ainda assim, querer ficar. Eles não sabem o que é sorrir sozinho pensando no outro, mas pensando com o coração e não com genitálias. Eles não sabem, e dificilmente saberão, o que é amar. Sumirão aos poucos e nos deixarão perguntas que responderão tão secamente quanto seus corações: “Eu amo outra pessoa.” São como filtros, não sabemos o que esconde nem para que finalidade foram utilizados. Acima disso, somam-se os filtros de nossa mente e as transferências de um amor que ansiamos para a vida inteira.
Mas a gente jamais erra por ter amado a pessoa errada, pois amar não é errado. Errado é usar alguém como objeto de esquecimento de outra pessoa que a gente pensa que não ama mais – quão transitório é amor na sua vida? – e depois a diz “eu amo outra pessoa”. Não há motivos para lamentar uma partida quando não existe amor, nem motivos para lamentar o tempo que passou por que ele não voltará e nos dará a oportunidade de refazer o ofício de Clotos e de Láquesis. “E se, por acaso, tudo fosse obra do Destino, de que adiantaria querer voltar atrás para repetir todas as ofensas?”, indagou Walter Branco numa mesa de bar de esquina.
A gente aprende quebrando a cara que, pra dar amor, a gente tem que se amar primeiro. A gente aprende quebrando a cara que amar-se deve ser o nosso verbo de ação reflexiva principal e que isso é bem mais do que gramática barata, mas um ato de amor-próprio que deve ser tomado para a vida. Alguém que não se entende por gente não é melhor do que a gente.

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