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O Discurso do Guru

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Semana passada, nessas idas e vindas de ônibus para estudar e trabalhar, ouvi alguém dizer que “o guru tinha um discurso massa sobre como ser um solteiro feliz”. Fiquei a pensar o que seria um discurso “massa” para aquela pessoa, mas, como não tenho me encontrado no âmbito do senso comum, desinteressei um pouco de sua opinião e recorri às aulas de Análise do Discurso para saber o que seria “discurso” na Ciência da Linguagem. Com ajuda essencial da Professora Lucinha (Dona do Mundo), lá vai mais um discurso meu.

No site do Museu de Língua Portuguesa, encontrei o artigo Analisando o Discurso, da Mestra em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem Helena Brandão, ou simplesmente Brandão. Neste artigo sugerido pela Prof.ª Lúcia (“Ribeiro de Oliveira” para os não íntimos), a autora diz que para entender o significado de “discurso” é preciso entender primeiramente o sentido de “linguagem”. Linguagem, para Brandão (não é íntima), pode ser compreendida como “uma atividade exercida entre falantes: entre aquele que fala e aquele que ouve, entre aquele que escreve e aquele que lê.” (p. 2) Neste momento, você (leitor) e eu (autor) estamos juntos exercendo esta atividade. Mas, além de termos conhecimentos sobre a gramática da língua aqui utilizada, ambos precisamos nos adaptar de modo que a comunicação nos seja efetivada. Ou seja, falamos de um modo que dê para compreender, a começar pelo uso de uma língua compartilhada por ambos.

Sabendo isso, compreendemos que o discurso se realiza quando efetivamos a comunicação através da linguagem, seja ela escrita, oralizada ou interpretada (no caso das línguas de sinais), etc. Mas, o que é um discurso? Quais são as suas características? A Sr.ª Brandão (lacrativa) caracteriza assim o “discurso”:
  • O discurso se preocupa com os interlocutores e a situação, atendo-se à ideologia do grupo ao qual se dirige e espaço histórico-geográfico. Se, por exemplo, eu utilizasse uma linguagem científica ou altamente científica nesta publicação, colocaria em risco a compreensão de alguns leitores por tornar a leitura “chata” ou “elaborada demais” para eles. Poderiam até desistir da leitura logo nas primeiras linhas e, neste caso, não teria como me defender.
  • Os interlocutores devem ter conhecimentos suficientes para produzir discursos em diferentes situações da vida, saber notícias locais e conhecer a finalidade do discurso (o que torna importante as impressões/imagens sobre os interlocutores). A finalidade do meu discurso é esclarecer o próprio discurso cientificamente. Para isso, utilizo-me de uma linguagem simples e bastante informal, porém não menos informativa do que um texto acadêmico que poderia dizer a mesma coisa com uma linguagem mais elaborada. Se eu fosse explicar as teorias de Brandão para um público cuja língua nativa é a inglesa, não poderia escrever em português e, muito menos, usar o memes que apenas nós conhecemos bem.
  • É contextualizado, de modo que o mesmo discurso pode assumir significados distintos em diferentes situações. Isso significa que, se você não conhece os memes da internet, não entenderá certas coisas que eu falo, neh, more?
  • Produz-se por um sujeito – um eu – que se torna responsável pelo que pondera, podendo ser implícito (e.g.: artigo científico) ou explícito (e.g.: a maioria das postagens deste Blog). Se eu, autor, falar uma coisa que não tem nada a ver com nada, a responsabilidade é toda minha e pode dar até cadeia.
  • É interativo, pois acontece, no mínimo, entre duas pessoas que se comunicam. Eu escrevo para o Blog, você lê e curte (o que indica uma mensagem de “gostei”), comenta e compartilha (faça o favor). Comunicação realizada com sucesso!
  • É um modo de atuar, praticar uma ação pela linguagem, pois visa modificar situações. Neste momento modifico a situação de alguns que talvez não soubessem as características do discurso e agora já não é mais o mesmo – sabe mais.
  • O discurso funciona com enunciados que, estudados, visam entender como funciona a língua no seu uso efetivo. Se uma pessoa faz uma pergunta já sabendo a resposta, isso pode provocar no ouvinte uma indagação sobre o que o leva a perguntar mesmo já sabendo a resposta. Surgem inferências sobre a intenção de enunciante. Deu para entender?
  • Existe diálogo, entre pessoas e outros discursos, assim constrói uma rede de discursos. Nesta postagem faço o meu discurso utilizando-me do discurso de Brandão, que me permitiu o uso através da publicação no site do Museu de Língua Portuguesa, e da Prof.ª Lúcia, que me deu as orientações necessárias nas aulas de Análise do Discurso.
  • Possui polifonia (várias vozes). Falo não só por mim, mas pela Prof.ª Lúcia e por Brandão (minha rede).
Vale salientar que discurso não é o mesmo que texto, mas que texto é a forma como o discurso se materializa/concretiza. Ou seja, o texto é a forma estrutural, ao passo que o discurso tem por finalidade transmitir uma ideologia de forma contextualizada e localizada geográfica e historicamente, etc. O discurso também é diferente de gramática, pois é encarregado de história, pronunciações e silenciamentos, interação, polêmicas, etc. Como diz a autora, “ver a língua de um ponto de vista discursivo é, portanto, ir além dos horizontes dados pela gramática.” (p. 26)

Uma vez que o guru tenha causado um impacto positivo no passageiro do busão, pois foi “massa” e possui todas estas características fundamentais, pode-se dizer que o cara realiza um bom discurso sobre como ser um solteiro feliz. Inclusive, preciso saber a estação desse guru e qual o horário que ele entra no ar porque não está sendo fácil.

Wendell Batista dos Santos
FAFIRE / Departamento de Letras, 4º período 2015.2


A professora Maria Lúcia Ribeiro de Oliveira é docente na Faculdade Frassinetti do Recife – FAFIRE e tem mais de 50 anos de experiência no ensino e pesquisa de Língua Portuguesa e suas vertentes. É Mestra em Linguística pela UFPE e outras coisinhas mais. O presente artigo diz respeito a um pedido da Professora para a disciplina de Análise do Discurso no qual deveríamos, por meio de algum gênero textual, descrever as características do discurso.

REFERÊNCIAS

BRANDÃO, Helena Hathsue Nagamine. O discurso: características fundamentais. In: Analisando o discurso: Na ciência da linguagem, o termo “discurso” vai muito além daquele feito pelos políticos. São Paulo: Museu da Língua Portuguesa, 2009.

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"Fernando Pessoa" por S.A. e Maria José de Lencastre. Antes de tudo: Análise do Discurso é “[…] o estudo da língua sob a perspectiva discursiva” (BRANDÃO, 2009, p. 5). Para Foucault (1972 apud FAIRCLOUGH, 2001, p. 64), “a análise do discurso [está] voltada para a análise de enunciados”, que é considerada uma forma de analisar desempenhos verbais e “diz respeito não à especificação das frases que são possíveis ou gramaticais, mas à especificação sociohistoricamente variável de formações discursivas (algumas vezes referidas como discursos), sistemas de regras que tornam possível a ocorrência de certos enunciados, e não outros, em determinados tempos, lugares e localizações institucionais.” (colchetes inseridos)

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