Escrevo por não ter nada a fazer no
mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo
porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina
de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me
morreria simbolicamente todos os dias.
A obra a ser comentada é A hora da estrela, de Clarice
Lispector, publicada em 1977 e considerada “o livro mais
surpreendente que escreveu”, segundo José Castello (1998).
Considerarei a primeira edição da Rocco (1998), que tive a grande
honra de receber das mãos de um grande amigo adepto de constantes
leituras, Marcel Koury.
Reprodução de capa. |
Sob o nome de Rodrigo S.M., Clarice (íntima póstuma) tenta se
esconder de seu leitor. A história leva um tanto de tempo para que
se inicie e a figura principal, quando finalmente se identifica,
tira-nos uma inevitável gargalhada:
-
E, se me permite, qual é mesmo a sua graça?
-
Macabéa.
-
Maca, o que?
-
Béa, foi ela obrigada a completar.
-
Me desculpe mas até parece nome de doença, doença de pele.
Macabéa é uma alagoana semianalfabeta que fora arriscar a vida no
Rio de Janeiro como datilógrafa, profissão que aprendeu da tia,
ainda que errasse demais e borrasse o papel quando ‘batesse’ os
documentos do patrão. Macabéa, como diz o autor, “não é
ninguém”, não tem respostas para nada e se preocupa com
besteiras, atém-se aos detalhes sem significado.
Seu narrador, admirador fiel, faz uma biografia de sua princesa
encantada sem dar grande foco à sua vida de alagoana, de quem fora
filha e quem a criou. Isto são apenas detalhes de uma narrativa
muito maior sobre a pessoa que Macabéa é, enquanto ser que existe e
parece não fazer sentido, do que uma estrela para olhar para o alto
e aplaudir sua majestosidade ao receber pedidos de realização de
muitos sonhos. Macabéa não tinha sonhos, contentara-se com o seu
nada existencial e material. Se importava com besteira e não se
ofendia com quase toda grosseria.
A história de Macabéa, moça sonsa de nome feio por quem o autor
demonstra grande afeto, leva-nos a refletir sobre as nossas próprias
existências em meio a narrativa de sua própria mísera existência
sem sentido e sem defesa. Não tem assunto, suas poucas conversas com
o ex-projeto de namorado Olímpico de Jesus “versavam sobre
farinha, carne de sol, carne-seca, rapadura, melado”, suas
lembranças de infância que ocultavam as partes tristes de seu
passado. (p. 47)
Para uma pessoa que pensa constantemente sobre a vida e o significado
das coisas, é impossível não se identificar com a personagem por
alguns longos instantes repetidas vezes e ao mesmo tempo ser tomado
por perguntas que talvez já estivéssemos esquecido: Qual o sentido
disso tudo? É uma leitura recomendada para aqueles que tenham o
mínimo de sensibilidade para aplaudir com o silêncio interrogativo
quando chegar a hora da estrela brilhar.
REFERÊNCIA
LISPECTOR,
Clarice. A hora da estrela. Orelhas de: José Castello. Rio de
Janeiro: Rocco, 1998.
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