Fonte: Desconhecida. |
Por Marcel Koury
Se você não acredita que há um preço por este doce paraíso, lembre-me de te mostrar as cicatrizes.
Bob Dylan – "Where Are You Tonight? (Journey Through Dark Heat)"
Sábado. Fim do dia. Um quarto de hotel vagabundo. Ela está absolutamente só. Espera um casal de amigos para uma noite de sexo a três. Antes, procurou a companhia de alguém no saguão do hotel. Algum estranho que não soubesse quem ela é. Ninguém. Comprou cigarros. Voltou. Agora está só. O olhar perdido em um ponto qualquer do quarto que não vê. Num canto esquecido de sua memória, lembra-se de pessoas — diferentes dela — que são felizes. Uma música insiste em entrar no quarto, tocada de um lugar longe, na rua. Ela se volta para o lado, para a pequena mesa onde dorme mudo um telefone. Continua sábado. Seu corpo dói. Uma dor que ela não sabe em qual parte. É um incômodo que cresce em ondas e que está em tudo, nela e ao seu redor. Vem e vai e vem. Quer falar. Falar o quê? Para quem? Apanha a seringa. Injeta-se. Violinos ardentes queimam sua carne. Silêncio. Uma paz sem tamanho despenca sobre ela. Uma paz como a que se alcança no cume sem vento da mais alta montanha; a vertigem depois do orgasmo (que ela aprendeu ser o ponto mais próximo da santidade que um ser humano atinge). Nesse momento, ela se dá conta que o casal não virá, e tanto faz, não tem importância. Um pouco mais da seringa e já vai amanhecer. Ela se abandona. Ela está só, mas nunca se sentirá sozinha. Em mais cinco bilhões de anos o Sol irá explodir. Tudo à sua volta, a Terra, o quarto, seus amores, tudo vai sumir num monumental buraco negro, para de novo desaparecer do outro lado, num futuro ou num passado. O que importa? Lentamente, como quem nada em nuvens, ela rola pela cama e cai. Nenhum som escapa do impacto do seu corpo sobre o tapete sujo. Já é quase o fim do sábado, que se vai, triste e inútil. Ela acaba. Amanhã, talvez, será domingo. Silêncio.
Recife, 14 de setembro de 2007
Marcel Koury mora em Recife, é estudante de Letras da Faculdade Frassinetti do Recife (FAFIRE) e de vez em sempre nos surpreende com a sua impecável escrita e produção textual. Marcel, obrigado por nos dar a honra de ter um de seus contos por aqui. A casa será sempre sua! Forte abraço! :)
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