Quando os negros vieram para o Brasil sob a força da Coroa Portuguesa para realizar trabalho escravo, eles trouxeram para Pindorama, como os índios chamavam o Brasil, a sua contribuição para a formação da nossa tão diversificada cultura. As suas origens estão escritas na nossa culinária, na nossa língua, na nossa religião e na nossa música, entre tantas outras manifestações que poderíamos citar. Ainda após a Abolição da Escravatura em 1888, o negro sofreu perseguição por parte das autoridades governamentais e eclesiásticas que encaravam algumas de suas expressões como própria de bandidos. O sincretismo religioso passou a existir e apenas na segunda metade do século XX a cultura afro-brasileira passa a ser reconhecida e praticada por parte da classe média brasileira, principalmente no Rio de Janeiro.
Os traços da cultura africana estão muito presentes na música popular brasileira, como o samba, o pagode, o coco, a ciranda, o fandango, etc. Não raro, notamos saudações à orixás, narrativas mitológico-africanas (a origem do homem e do mundo do ponto de vista das religiões africanas) e o uso de instrumentos originários da África em perfeita harmonia, em ritmo contagiante, natural do Continente. Outros instrumentos, porém, uniram-se àqueles importados pelos negros na formação de inúmeras manifestações culturais no Brasil, pois aqui também se fazia presente as culturas indígena e europeia. O samba, chamado "batuque" até o início do século XX e originariamente africano, desde sempre incorporou elementos de outras culturas.
Foram cerca de 6.353.000 o número de escravos chegados ao Brasil entre 1540 e 1860, segundo Darcy Ribeiro (1995), que considera diminuta a estimativa de Mattoso (1990), que é de cerca de 3.500.000. Estes escravos não vieram de apenas um país africano, mas de vários. De modo que, segundo Emílio Bonvini e Margarida Petter em seu artigo Portugais du Brésil et langues africaines (1988), trouxeram consigo pelo menos 200 ou 300 línguas para unir ao português europeu e às línguas gerais indígenas. Este número de línguas representa etnias presentes desde o leste ao oeste africanos, incluindo escravos islamizados. A maioria muçulmana, que foi principalmente para a Bahia, era alfabetizada, ao contrário de seus senhores que quase sempre eram analfabetos. Naquele tempo, dinheiro nem sempre era sinônimo de formação.
Na década de 1960, Baden Powell e Vinícius de Moraes empenharam-se numa pesquisa sobre a cultura afro-brasileira na Bahia. Frequentaram terreiros e rodas de capoeira, e em 1966 gravaram o que vieram a chamar de Os Afro-Sambas, uma coletânea de samba gravada por "amadores ligados por amizade" (LISBOA, 2014). Clementina de Jesus, Tata Tancredo e Toquinho também tiveram um papel importante na música popular brasileira e no Movimento da Consciência negra no Brasil. Hoje, destacam-se artistas como Gilberto e Preta Gil (pai e filha), Jorge Aragão, Martinho da Vila, Alcione, Margareth Menezes, Sandra de Sá, Chico César e Chico Science, entre outros como Selma do Coco (Olinda), Mestra Totinha (de Itamaracá - PE, coquista e cirandeira) e Lia de Itamaracá (cirandeira).
Antes de existir o samba na forma que o conhecemos hoje, existiam outras manifestações culturais que ainda não haviam se mesclado no processo de formação da posterior cultura brasileira, como os desfiles dos reis do Congo, sobreviventes do tempo. Enquanto o índio se afastava das cidades adentrando as regiões interiores do país negando-se ao trabalho escravo, o negro vivia dentro das casas dos senhores e, ainda que escravos, assumiam responsabilidades e posições de confiança dos seus donos. Esta proximidade permitia maior troca de culturas e de saberes e se tornaram os principais difusores do português vernáculo brasileiro. Quando considerada a colaboração dos índios, europeus e negros para a formação da cultura brasileira de forma comparativa e sem parcialidades, vemos claramente que o negro fora quem quem mais contribuiu para o Brasil ser o que ele hoje culturalmente representa.
"Totinha chegou pra vadiar."
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BONVINI, E.; PETTER, Margarida. Portugais du Brésil et langues africaines. Paris: Langages, 1988.
LISBOA JUNIOR, Luiz Américo. Baden e Vinícius: Os Afro Sambas, 1966. In: A História da MPB. Disponível em: http://www.luizamerico.com.br. Acesso em: 07 de dezembro de 2014 às 00:43.
MATTOSO, Kátia de Queirós. Ser escravo no Brasil. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1990.
RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
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